Obra de não ficção da historiadora feminista Silvia Federici, que traça uma linha histórica desde o feudalismo e a sua transição ao capitalismo. Colocando uma lupa nesses eventos, a autora consegue identificar o importante papel das mulheres nesse contexto, papel esse esquecido ou negligenciado pelos estudiosos (Marx, por exemplo).

Silvia aborda as lutas coletivas durante o feudalismo, muitas delas com participação ativa das mulheres; a influência da igreja católica no Estado e em como ambos orquestraram o ápice do calvário feminino, a caça às bruxas.
De acordo com a autora, mesmo com participação da igreja, a caça às bruxas, não ocorreu apenas por medo das crenças da época, mas como forma de impulsionar e manter o capitalismo. A peste negra tinha dizimado um-terço da população européia, na grande maioria pessoas pobre, os trabalhadores. Até aquela época, as mulheres tinham o controle reprodutivo (usavam métodos contraceptivos e abortavam, o que não era crime e nem demonizado pela igreja), mas com a epidemia e a morte da população, o Estado e a igreja iniciaram uma campanha para controlar as mulheres, elas então se tornaram produtoras de mão de obra e, todas as outras atividades que realizavam ou poderiam realizar foram desvalorizadas.
Como a própria autora menciona, enquanto as mulheres independentes e irreverentes eram condenadas como bruxas, outras tantas foram relegadas ao lar, os homens passaram a trabalhar fora e receber por isso e, o que sobrou para as mulheres foi o trabalho reprodutivo – ter filhos, ou em outras palavras, reproduzir a mão de obra.
Ainda para a autora, a caça às bruxas se reinventa nos dias atuais, com roupagens diferentes, para a reafirmação do capitalismo.
Como Wiccana (religião neopagã), cresci lendo e ouvindo que a caça às bruxas foi orquestrada pela igreja católica, por medo do poder das crenças pagãs e da autonomia que tais crenças traz às pessoas. Agora lendo Calibã e a bruxa e sendo feminista, entendo que o buraco é bem mais embaixo. Assusta saber que não é de hoje que estado e igreja se juntam para minimizar as mulheres e seus feitos e, que mesmo séculos depois, ainda vemos as mesmas artimanhas, mas totalmente reformuladas e mascaradas. Calibã e a bruxa é um livro difícil, requer trabalho, pesquisas e reflexões, mas isso só enriquece sua leitura e no fim, sentimos vontade de voltar ao início para ver se não deixamos nada passar.

Nome do Livro: Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva
Autora: Silvia Federici
Editora: Elefante
Ano: 2017
Páginas:464

Leia também a resenha de Eu, Tituba: bruxa negra de Salem, outra obra que retrata a caça às bruxas.